segunda-feira, setembro 17, 2007

Cotidiano

Passou o café de todo dia e comeu o pão amanhecido. Vestiu-se com a roupa repetida e o sapato gasto. Olhou-se no espelho, não por vaidade, mas por costume, só pra ter certeza de quem era. Saiu contando as notas, com a mente voltada pros gastos do mês: aluguel, padaria, mercado e condução. Entrou no ônibus, sentou calada e sorriu o sorriso da garotada que entrava em cada ponto e que fazia arruaça. Lembrou da sua adolescência e dos sonhos perdidos; olhou pro lado e desviou o pensamento prestando atenção nos carros que emparelhavam junto a condução. Viu um mendigo caído na calçada, e preferiu comparar-se ao pior - pelo menos tenho casa, ou melhor ainda tenho o dinheiro desse mês pro aluguel. Voltou a lembrar dos seus sonhos e a comparar com os atuais, arrumar um emprego , poder concluir aquele curso de computação, ter dinheiro pra uma ceia melhor nesse natal e quem sabe poder comprar o vídeo-game pro Julinho. Isso sim lhe cortava o coração... Não poder dar de tudo, do bom e do melhor pro seu único filho. O pai dele, aquele desgraçado, era assim que ela se referia a ele, havia ido embora fazia seis meses, pra morar com a filha da vizinha... uma menina de apenas 17 anos. O desgraçado praticamente não via o menino e ajudava com uma cesta básica, quando podia, e olhe lá... a gostosinha de 17 anos já estava também esperando um filho seu. Desceu do ônibus e andou alguns quarteirões até o banco onde iria receber a última parcela do seguro-desemprego. Entrou, foi até o caixa sacou o dinheirinho, conferiu nota por nota e guardou na bolsa aliviada. Foi caminhando de volta pensando que iria comprar um quilo de carne pra janta, um litro de refrigerante e aquele doce que seu filho tanto gostava....(silêncio)...tiros e uma única bala. Julinho acordou e esperou pra sempre o refrigerante que nunca bebeu, o doce que não comeu e o video-game que nunca ganhou.

...a morte não espera o sonho se realizar...

Andrea Rodriguez

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